Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade? Especialistas respondem

Por Jornalista Bianca Gomes em 26/01/2021
Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade? Especialistas respondem

Desde o início de seu mandato, e principalmente após a pandemia do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro tem sido acusado de cometer uma série de crimes de responsabilidade. A maior parte das condutas está distribuída entre os 61 pedidos de impeachment do mandatário já protocolados, dos quais 56 estão ativos, e incluem episódios como a convocação para um ato contra o Congresso Nacional; o discurso inverídico sobre uso de cloroquina para tratamento precoce contra covid-19; e a suposta interferência na Polícia Federal

Lei dos Crimes de Responsabilidade, de 1950, prevê condutas que atentam contra a Constituição e são passíveis da pena de perda do cargo. Entre elas, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” e “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”. 

Falta de compromisso do Planalto com o teto contamina o sistema financeiro e paralisa a economia. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Conrado Hübner Mendes, professor de direito da Universidade de São Paulo (USP), afirma que nenhum presidente chegou tão perto de "gabaritar a Lei do Impeachment" como Bolsonaro. 

Para ele, ignorar os atos do presidente leva à “banalização do crime de responsabilidade” e traz um risco adicional de dar mais força a um governo com “projeto autoritário e de corrosão das instituições de estado”.

Estadão ouviu diversos especialistas da área jurídica para entender quais os principais crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente. Confira a lista abaixo:

Pandemia

A atuação de Bolsonaro durante a pandemia reuniu mais de um crime de responsabilidade. Gabriela Araujo, professora de Direito Eleitoral e doutoranda em Direito Constitucional na PUC-SP, cita como exemplo o artigo 85, caput e inciso lll, da Constituição Federal, que considera como esse tipo de crime a conduta do presidente da República que atente contra a Constituição e especialmente contra o exercício dos direitos individuais (direito à vida, artigo 5. da CF) e sociais (direito à saúde, art. 6 da CF).

“As ações do presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia da Covid-19, com a promoção de aglomerações, recusa em utilizar a máscara, incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada e negacionismo com relação à ciência já são motivos suficientes para embasar um processo de impeachment, posto que são contrárias aos direitos fundamentais mais caros protegidos pela Constituição Federal, especialmente o direito à vida”, diz a especialista. 

Welington Arruda, especialista em Gestão Pública e Governamental pela Escola Paulista de Direito, diz que Bolsonaro também cometeu crime de responsabilidade capitulado no artigo 9º, item 3, da Lei 1.079/50 ao “não adotar providências imediatas contra seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que tomou ciência do caos que ocorreu em Manaus, mas não agiu para impedir o colapso na saúde do Estado”. 

Arruda cita ainda o artigo  4º, inciso V, da Lei, que fala sobre manter a probidade na Administração. “Quando Bolsonaro determinou que as Forças Armadas comprassem a cloroquina em quantidade suficiente para abastecer o Brasil por décadas, por valores absolutamente questionáveis e sem comprovação científica de sua eficácia contra a covid-19, ele não foi probo na administração e, portanto, cometeu crime.”

Interferência na PF

A suposta interferência do presidente na Polícia Federal, alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), pode ser enquadrada no artigo 9º da Lei de Responsabilidade, segundo a advogada constitucionalista Vera Chemim: “Direcionar a nomeação do diretor da PF e, posteriormente, da Abin, conforme os seus interesses pessoais, caracteriza um ‘desvio de finalidade’ e vai de encontro ao interesse público”.

Ameaças ao Supremo

Outro crime cometido pelo presidente se refere às suas ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal, diz Vera. Ela cita o artigo 6º, Inciso V da Lei de Responsabilidade, que fala em “opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças”. 

“São igualmente públicas as manifestações e ameaças do presidente da República aos ministros do STF, em razão de decisões monocráticas ou em Plenário, como a que instaurou o inquérito das fake news em face do seu entorno bolsonarista; a decisão que impediu a nomeação de Alexandre Ramagem para diretor da Polícia Federal, além de outras ao longo do tempo, em que Bolsonaro afirmou que para tudo existiria um limite, referindo-se à intervenção do STF nos atos do Poder Executivo.” 

Contra as ‘liberdades’

Entre os crimes do presidente no período pré-pandemia estão os ataques à liberdade de imprensa, à liberdade acadêmica, à liberdade artística e à liberdade científica, diz Conrado Hübner Mendes, professor de direito da USP. “Não foram episódios isolados, mas sistemáticos. Esse conjunto de múltiplos episódios viola o art. 85, III, da Constituição, e o art 7, inciso 9, da Lei.”

Em agosto, o presidente respondeu a um jornalista que perguntou sobre os cheques de Queiroz à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que estava com vontade de “encher” a boca dele “na porrada”. 

Quebra de decoro

Conrado Hübner Mendes diz que há também “sistemáticas” quebras de decoro quando Bolsonaro “propaga discurso de ódio a minorias, alimenta a indústria da desinformação e investe em mentiras deliberadamente”. Segundo ele, essas situações violam o artigo 9º, inciso 7 da Lei. 

Welington Arruda concorda que o presidente age de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. “Um exemplo claro foi quando ele chamou o Governador de São Paulo de ‘calcinha apertada’ ou o mandou ‘virar homem’. Outros exemplos, segundo ele, são falas como “E daí?”, “Não sou coveiro” e “O Brasil está quebrado, não posso fazer nada”.

 

Matéria extraída do jornal O Estado de S.Paulo no link abaixo

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